sábado, 21 de agosto de 2010

A relação da cultura e cidadania com o "fazer saúde"

Por Rosemar Prota

"O sertanejo é, antes de tudo, um forte"

Euclides da Cunha, 1902.

“O homem é um ser naturalmente livre e procura cultivar essa liberdade.”

Rousseau , 1755

Uma das complexidades do Brasil é a existência de grande poder econômico convivendo lado a lado com grande carência econômica. Quem são estas pessoas que vivem nestes dois mundos de certo modo opostos dentro de um mesmo país? Existe relação entre elas?

Quando se tem pouco e o pouco que se tem é para a subsistência, a base da vida passa a ser cada dia de vida, passa a ser a sobrevivência. Se este é o raciocínio, nada mais lógico do que ter-se uma cultura gregária, na qual uns ajudam aos outros, numa solidariedade coletiva onde o espírito é de irmandade. Pela sobreviência.

Por outro lado, agregue-se um grande número de pessoas convivendo em um espaço precário e reduzido e tem-se a receita para uma cultura onde o mais forte talvez emita comportamentos de dominação e arbitrariedade.

Pois bem, então, em uma cidade complexa e desenvolvida como um todo, tem-se profissionais da saúde trabalhando para o Sistema Único de Saúde, com seus preceitos de equanimidade, integralidade, universalidade. Estes profissionais da saúde, eles próprios possuem uma base cultural, uma história de vida que lhes propiciou a formação de seus valores éticos e morais. É aí então que estes profissionais se deparam com o diferente, ou não, em seus atendimentos no território ou no consultório do posto de saúde. Como lidar com estas diferenças ou semelhanças culturais na relação e no processo de “fazer saúde”?

Respeito à alteridade é o primeiro passo para se fazer um atendimento na área da saúde visando um projeto terapêutico singular. A negociação entre o que diz o conhecimento do profissional da saúde e o que diz a cultura local das pessoas que vivem no território atendido é o ponto de partida para a construção de saúde.

Este respeito à alteridade está relacionado com autonomia, autonomia esta que permite às pessoas a quebra de barreiras, quer sejam culturais ou constructos apreendidos em livros acadêmicos.

Respeito à alteridade e à autonomia são os pilares edificantes da prática de saúde em seu sentido mais amplo. Para esta prática, o profissional precisa desenvolver sua capacidade de escuta, desenvolver a capacidade acurada de possibilitar o acesso ao usuário àquilo que ele busca, capacidade de acolher o outro em sua demanda, mesmo que este outro lhe pareça em um primeiro instante apenas alguém desprovido de conhecimento científico, pois o respeito ao conhecimento cultural pode levar o usuário a validar em sua prática diária o conhecimento científico. Do contrário corre-se o risco de verem-se sabotadas no dia-a-dia as recomendações clínicas.

O conceito ampliado de saúde envolve, portanto, questões como cultura, cidadania e ética. Esta ética que permite ao profissional contratuar com o usuário do serviço o seu projeto de saúde. Desta forma intervem-se no processo saúde-doença respeitando-se os aspectos psico-sócio-culturais do território.

Bibliografia

Veras, Alcyr. Anacronicas Desigualdades. In.: http://tribunadonorte.com.br/noticia/anacronicas-desigualdades/156038

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Apoiadores de SBC


Foto de um grupo de apoiadores na Cidade das Crianças. Neste dia tivemos Educação Continuada: pela manhã, discussão do processo de territorialização e à tarde reflexão sobre religiosidade e cultura e os processos de atenção e cuidado em saúde.

domingo, 1 de agosto de 2010

Educação Permanente (EP) em Saúde




Por Rosemar Prota

A Educação Permanente (EP) é um dispositivo importante através do qual gestores e trabalhadores podem pensar o processo de trabalho. Este pensar pode ser disparador de autoanálises e de reflexões sobre o modo de “fazer saúde”. Na forma de rodas de conversa a EP propicia aos participantes uma relação de campo a partir da qual há abertura para transformações mútuas, em uma contaminação positiva que gera o crescimento de todos. Potencializar a capacidade de articulação e de trabalho em rede interna (dentro da unidade) e externa (fora da unidade) são mais alguns dos benefícios conseguidos através das EPs.

O Sistema Único de Saúde (SUS) pressupõe que haja uma orquestração no trabalho tripartite da federação, estados e municípios. Esta orquestração se dá no sentido da municipalização dos serviços, estratégia oposta à centralização do antigo Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social (INAMPS), modelo que foi substituído pelo SUS através da lei 8080/88. Neste atual Sistema em rede o Ministério da Saúde é responsável pelo planejamento das diretrizes da saúde que serão seguidas em todo o país e realizar o repasse de verbas para os estados e os municípios efetivarem estas diretrizes; o papel dos estados é o de apoiar técnica e financeiramente a municipalização, e de desenvolver ações suplementares na saúde; e, finalmente, aos municípios cabe fazer a gestão do sistema local de saúde.

Conforme o exposto, a responsabilidade municipal aumentou no que se refere à gerência dos sistemas de saúde. Esse movimento de descentralização caracteriza uma grande reforma paradigmática no país. Neste país de proporções continentais, os municípios apresentam histórias e trajetórias muito distintas entre si, o que se reflete na forma e objetivo de implantação dos sistemas locais, assim sendo, constitui-se como um dos desafios do Sistema Único de Saúde, o fato de os gestores e também os profissionais terem diferentes paradigmas do que vem a ser cuidado em saúde e de como ele deve ser efetivado. A EP voltada para a formação dos gestores tem sido uma aposta bem sucedida na criação de uma rede forte e coesa, na qual os municípios e os estados têm na federação o seu maestro.

Em função disto tudo, a formação continuada carrega em seu bojo o conceito de transdiciplinaridade, ou seja, nenhum conhecimento é suficiente como um fim em si mesmo e não almeja-se verdades absolutas mas o objetivo deste momento de encontro é, isto sim, propiciar redes de conversa nas quais estratégias e planejamentos possam ser pensados e configurados, a partir da junção de saberes e conhecimentos na construção de novos saberes e conhecimentos oriundos do encontro e das experiências e percepções coletivas.

A Educação Permanente atua dinamicamente entre os saberes, através das percepções e além das definições pré-estabelecidas. Romper com os limites das concepções possibilita um novo conhecimento, sem que isso signifique invalidar o processo histórico através do qual o conhecimento foi construído; a EP trata-se, na verdade, de um processo vivo e em constante renovação.

No Ministério da Saúde o Departamento de Gestão da Educação na Saúde tem adotado a educação permanente como uma estratégia fundamental para a formação e desenvolvimento dos trabalhadores do SUS. Esta proposta tornou-se política de governo através das portarias 198/2004 e com a portaria n.º 1996/2007 (Sato, Cecílio & Andreazza, 2009).

Esta iniciativa do Ministério da Saúde de adotar esta estratégia de análise coletiva do processo de trabalho possibilita que os atores envolvidos neste âmbito da atuação em saúde desloquem-se de seus papéis, que podem estar cristalizados em maior ou menor grau, e encontem-se em um espaço outro, com possibilidades novas de relações interpessoais.

Re-conhecer o SUS, experimentar novas formas de relacionar-se com os pares, e apropiar-se de modos de fazer gestão horizontal são apenas alguns dos inúmeros possíveis benefícios da Educação Permanente. Vale a pena investir e experimentar.

Bibliografia

Conselho Regional de Psicologia 6ª Região. SUS, a saúde entendida como um bem público. http://www.crpsp.org.br/crp/midia/jornal_crp/127/frames/fr_administracao.aspx 01/08/2010

Fabris, ETH, Agnoll, ID & Traversini, C. A atitude transdisciplinar e o Desenvolvimento de Competências Docentes: uma experiência na Universidade do Vale do Rio dos Sinos/UNISINOS. In.: http://webcache.googleusercontent.com/search?q=cache:sId-7BWvgzQJ:www.redebrasileiradetransdisciplinaridade.net/file.php/1/Artigos_dos_membros_da_Rede/Trabalhos_apresentados_no_II_Congresso_Mundial/Artigo_Eli_T._Henn_Fabris_Izabel_Dall_Agnol_e_Clarice_Traversini.doc+transdiciplinaridade+educação+continuada&cd=2&hl=pt-BR&ct=clnk&gl=br 08/08/2010

Sato, WNS; Cecilio, LCO & Andreazza, R. A Educação Permanente em Saúde como estratégia de formação de gestores municipais: o Fórum da Educação Permanente de Bragança Paulista. In.: Cadernos Gestão Pública e Cidadania, v. 14, n. 55, 2009.


sábado, 10 de julho de 2010

Reforma Sanitária, SUS e territorialização

Por Rosemar Prota

“…uma reforma democrática não anunciada ou alardeada na área da saúde. A Reforma Sanitária brasileira nasceu na luta contra a ditadura, com o tema Saúde e Democracia, e estruturou-se nas universidades, no movimento sindical, em experiências regionais de organização de serviços. Esse movimento social consolidou-se na 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986, na qual, pela primeira vez, mais de cinco mil representantes de todos os seguimentos da sociedade civil discutiram um novo modelo de saúde para o Brasil. O resultado foi garantir na Constituição, por meio de emenda popular, que a saúde é um direito do cidadão e um dever do Estado.” Sergio Arouca, 1998.

Entre os princípios norteadores da Reforma Sanitária temos: a democracia, a integralidade no atendimento ao usuário do Sistema de Saúde, e o protagonismo deste usuário em seu processo de tratamento.

A Constituição Brasileira de 1988 inscreveu a saúde entre os direitos sociais e de cidadania estendidos a todos os brasileiros. Em 1990, através da Lei Orgânica da Saúde, foi instituído o Sistema Único de Saúde – SUS. São princípios do SUS: (1) universalidade de cobertura, ou seja, atendimento integral gratuito, e eqüidade; (2) descentralização dos serviços para os estados e municípios, que participarão do financiamento; (3) não-concorrência mas unidade e hierarquização entre as ações de saúde da União, dos estados e dos municípios; (4) participação complementar do setor privado na oferta de serviços; (5) prioridade para as atividades preventivas; e (6) controle social através dos Conselhos de Saúde e participação da comunidade.

Um dos principais mecanismos de consolidação do SUS são as Conferências de Saúde Municipais, Estaduais e Nacionais, com representação tripartite de usuários, trabalhadores e gestores. Ao todo no Brasil foram 13 Conferências sendo que o tema central da 11a, ocorrida em 2000, foi a efetivação do SUS, tendo sido debatidos, entre outros, o acesso, a qualidade e a humanização na atenção à saúde com participação e controle social.

A descentralização dos serviços de saúde consolida o atendimento integral ao munícipe sem que este tenha de se deslocar muito para efetivar seu tratamento. O artigo 30, VII da Constituição reza que ao município compete “prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviço de atendimento à saúde da população”.

Estes avanços vêm transformando um antigo imaginário de supervalorização do consumo de medicamentos e da divisão médica em especialidades, além da medicina hospitalar e da tecnologização. Importante salientar que, de igual importância, é o princípio da territorialização, força que legitima o protagonismo do usuário SUS como alguém capaz de intervenções e modificações no território que modelam sua saúde bio-psico-social e, mais do que isso, seu modo de vida.

Desde 1994 o Ministério da Saúde vem consolidando a Estratégia de Saúde da Família, que articula elementos das propostas originalmente conhecidas como Sistemas Locais de Saúde/Distrito Sanitário, Programação em Saúde e Promoção à Saúde. As Equipes de Saúde da Família trabalham segundo os princípios da territorialidade e da equidade. O trabalho não é centrado na unidade e sim no território, nas famílias. O Agente Comunitário possibilita a ampliação do diálogo com a população, bem como a compreensão sobre o contexto local.

“A Saúde da Família é entendida como uma estratégia de reorientação do modelo assistencial, operacionalizada mediante a implantação de equipes multiprofissionais em unidades básicas de saúde. Estas equipes são responsáveis pelo acompanhamento de um número definido de famílias, localizadas em uma área geográfica delimitada. As equipes atuam com ações de promoção da saúde, prevenção, recuperação, reabilitação de doenças e agravos mais freqüentes, e na manutenção da saúde desta comunidade” (Ministério da Saúde).

A articulação intersetorial e a promoção à saúde são atribuições das Equipes Saúde da Família, e também das Equipes das Unidades Básicas de Saúde. Para reforçar a atuação intersetorial na atenção básica surgiu no âmbito das políticas públicas a criação de Equipes de Apoiadores à Saúde da Família (Portaria 154, 2008). Estas equipes ampliam a abrangência das ações e sua resolutividade, fortalecendo o processo de territorialização e regionalização, com vistas à integralidade do cuidado físico e mental dos usuários do SUS, através da qualificação do trabalho na atenção básica.

Com o objetivo definido de propiciar melhor qualidade de vida ao usuário do SUS, que é também munícipe e cidadão com direitos, deveres e necessidades de ordem social, políticas públicas têm sido cada vez mais pensadas e pactuadas no eixo da intersetorialidade através da co-responsabilização no trato às necessidades das pessoas.

Bibliografia

Feuerwerker, LM. Modelos tecnoassistenciais, gestão e organização do trabalho em saúde:nada é indiferente no processo de luta para a consolidação do SUS. In.: Interface 489 – Comunic, Saúde, Educ, v.9, n.18, p.489-506, set/dez 2005.

Figueiredo, M.D. Apoio Matricial e Núcleos de Apoio à Saúde da Família. In.: http://www4.ensp.fiocruz.br/biblioteca/dados/txt_284660624.ppt. (10/07/10)

Gomes, JJ. SUS e Descentralização. In.: http://www.prmg.mpf.gov.br/producao/artigos/DrJJairo/SUS-Descentralizacao.PDF

Mitidiero Jr., MC. Territorialização: Conceito explicativo da luta pela terra? A agricultura capitalista no Brasil. In.: http://www.klepsidra.net/klepsidra9/territorializacao.html

Pereira, LCB. Reforma Administrativa do Sistema de Saúde. Criação das Organizações Sociais. Conferência Nacional de Saúde Online. Trabalho apresentado ao Colóquio Técnico prévio à XXV Reunião do Conselho Diretivo do CLAD, Buenos Aires, Outubro de 1995.

Rivera, FJU. A programação local de saúde, os distritos sanitários e a necessidade de um enfoque estratégico In.: Cadernos de Saúde Pública, RJ, 5, I, 60-81, 1989.


sábado, 26 de junho de 2010

Matriciamento e Apoio à Gestão,


Por Rosemar Prota

Nosso país conta com um patrimônio na área da saúde que foi conquistado pelos movimentos sociais, o SUS. A fim de garantir eficácia no gerenciamento deste sistema, humanização no cuidado e atenção à saúde do trabalhador inúmeras pessoas têm produzido conhecimento e ações práticas que, implementadas, garantem mais e mais o acesso ao SUS e o respeito a seus princípios.

O trabalhador do SUS pode assumir diversas formas de relação consigo mesmo, com os pares, com os gestores e com os usuários. O cuidado com o outro está implicado também no cuidado consigo mesmo, a relação horizontal com os gestores e colegas relaciona-se ao cuidado inter-equipe. Quando se promove cuidado, tudo fica interconectado no âmbito das relações.

O apoio à saúde e gestão surge neste panorama de cuidado integral a todos e todas que participam de alguma forma como protagonistas do SUS: usuários, trabalhadores (incluindo os próprios trabalhadores do apoio), gestores e demais pessoas da intersetorialidade e controle social.

Neste contexto, o apoio pode ajudar, e sempre é importante que ajude, pensando junto, aprendendo junto, criando junto, resolvendo junto, comemorando junto e, principalmente, sempre atento e aberto às diversas demandas que podem vir de diversos lugares, desde o lugar dos usuários, dos trabalhadores, da gestão e até mesmo da própria equipe de apoio. Isto é rede de apoio.

Para a construção da rede de apoio cada equipe, cada território, desenvolve sua práxis, seguindo sempre princípios básicos norteadores tais como os do SUS, as diretrizes do Ministério da Saúde, o Plano de Governo Municipal e/ou Estadual, e, importante igual, é a participação parceira dos Conselhos Gestores e Locais na construção deste processo.

A Atenção Básica pode ser um espaço privilegiado para formação continuada dos profissionais podendo ser palco inclusive para o tripé pesquisa, ensino e extensão, tão comum nas universidades públicas. Aliás, a rede entre o ensino e a prática na universidade pública e o SUS é uma grande possibilidade de integração de políticas públicas de ensino e cuidado em saúde. Conceito este, de saúde, que pode ser compreendido em sua mais ampla forma: aquela em que atua a intersetorialidade, a saúde como sendo algo muito maior do que a ausência de doença, mas a saúde enquanto conceito de qualidade de vida e desenvolvimento humano.

Oras, se o conceito de saúde vai muito além da ausência de doenças, é de se concluir que o conceito de cuidado também vai muito além da medicalização e do atendimento reduzido à queixa emergencial. A atenção básica permite a visão e o cuidado do individuo como um todo, em sua integralidade e isto inclui sua inserção em seu território e o modo como isto se dá.
O usuário e suas necessidades devem ser o centro da preocupação, tanto na organização do sistema, quanto na configuração das práticas de Saúde. É importante garantir o acesso ao cuidado que o usuário (individual ou coletivo) precisa, proporcionando- lhe acolhimento, escuta, vínculo, resolutividade, compromisso, responsabilização, continuidade da atenção etc (Débora Bertussi).
O paradigma do matriciamento em saúde não se prende ao tecnicismo, tem como seu principal mote a criatividade resolutiva e a flexibilidade, pontos importantes no estabelecimento de relações humanas não departamentais mas sim, formadoras de vínculo e acolhimento recíprocos.

É fato que cada personagem do SUS construiu ao longo de sua história de vida os seus próprios conceitos do que vem a ser trabalho, cuidado, integralidade, territorialidade, e por aí em diante...
Constitui-se um desafio instigante o criar-se rodas de conversa onde se possa pactuar, enquanto equipe de trabalho, uma diretriz norteadora do modelo de saúde que se quer viver enquanto trabalhador/usuário, pois podemos e devemos ser, além de trabalhadores, usuários deste sistema.



Bibliografia:

Bertussi, D. Matriciamento no cuidado e na gestão em João Pessoa. In.:
CRPSP (26/06/10)

Nascimento, R.H. Sistema Único de Saúde. In.:HOSPVIRT (26/06/10)